Originado nos cultos de candomblé, oferenda à Oiá, ou Iansã, rainha dos raios e dos ventos, o acarajé hoje é um produto comercial que visa quase exclusivamente o lucro. Além disso, hoje pode ser feito por homens, algo incomum até pouco tempo atrás.
O assunto foi abordado na tese de doutorado defendida por Gerlaine Martini, do Departamento de Antropologia (DAN) da UnB.
O acarajé passou a ser vendido como um mero produto turístico. Antigamente era uma atividade tradicional e religiosa das baianas, muitas delas hoje convertidas à religião evangélica.
O acarajé está iniciando um processo de industrialização”, afirma Gerlaine.Embora o ofício seja secularmente feminino, aos poucos os homens adentraram nesse território. O fenômeno teve origem pela falta de herdeiras da tradição em uma empresa familiar de Salvador. Assim, as baianas autorizaram o primeiro representante masculino na tarefa, a fim de “inseri-lo no mercado de trabalho”, concessão que só ocorria em casos de morte de parentes mulheres na família, como avós, mães e filhas.
Para o candomblé, é uma “transgressão”, uma vez que suas regras diferenciam os ofícios masculinos dos femininos.
Outros aspectos de mudança na tradição ocorre quando adeptas do candomblé se tornam protestantes. Mesmo professando uma nova crença, desejam manter sua fonte de renda. Para isso, decidem retirar todos os signos que liguem o quitute à religião africana, como a roupa branca, o turbante e as contas no pescoço. Desfiguram o ofício ao querer que o acarajé seja visto não como uma oferenda, mas apenas como uma refeição. Ou um fruto da terra, como dizem as baianas tradicionais.Para completar, com o boom do turismo nas décadas de 1980 e 1990, a iguaria começou a ser vendida em barracas de praia, lanchonetes, supermercados e delicatessens, constituindo uma impessoalidade absolutamente contrária à figura da baiana que preparava o alimento artesanalmente, vestia suas roupas típicas e levava o tabuleiro para lugares que remetem aos “cantos”. Esses eram os locais onde os escravos vendiam produtos no período colonial, como meio de subsistência e de obter dinheiro para os centros religiosos.
Foi nesse contexto que a Associação de Baianas de Acarajé e do Mingau do Estado da Bahia (Abam), o Centro de Estudos Afro-Orientais da Universidade Federal da Bahia (UFBA) e o Terreiro Ilê Axé Opô Afonjá entraram com um pedido de inclusão do ofício das baianas do acarajé como patrimônio cultural - e do acarajé como bem imaterial - no Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan), do Ministério da Cultura (Minc), concedido em 2004
Fonte:www.unb.br